terça-feira, 13 de setembro de 2011

Um ensaio sobre Lucifer (parte 2)


---------CONTINUANDO OS TEXTOS ------
De entre todos os Deuses foi Lúcifer aquele a manter a relação mais notável com a Humanidade. Por isso, pretender o satanismo na Bruxaria é oximoro. “Satã”, palavra de origem hebraica (Satan) significa “o oposto” “o adversário” “o que discorda de nós” é elemento puramente Cristão, considerado como símbolo do mundo material. A palavra hebraica “Satanás”[1] do latim é corruptela sânscrita “Sanatanas”, significa eterno e até hoje na tradição hindu, ainda é aplicada às três pessoas da Trimurti (Brama, Shiva e Vishnu) e às três divindades femininas correspondentes. Ideia surge no século XII e sobretudo com a difamação lançada pela Igreja para justificar a perseguição às bruxas. Compreenda-se, os legítimos Bruxos e Bruxas nunca adoraram Satanás, o qual é uma invenção da teologia católica, não se importava qual a divindade adorada, para a igreja seria sempre Satanás. Há um axioma em Antropologia, o Deus da tribo conquistada, torna-se sempre no “Diabo” da tribo vencedora. O Satanismo, como tal, é criado no ano de 1966 por Anton La Vey (provavelmente) se baseou em vários sistemas mágicos e religiosos entre os quais, se calhar na Wicca, mas somente isso. Existem dois discursos: aquele presente nas narrativas oficiais dos processos inquisitoriais, tratando a Bruxaria como meras representações teatrais monstruosas e de nível imaginário e requintada malvadez, como considerarem os Sabates uma inversão da missa com a presidência do Diabo; e o discurso subjacente, muito claro através das confissões dos acusados, esclarecendo esse Diabo referido pelos dominicanos e jesuítas são de uma escala, energia e valor imputado diferente daquele. Como se sabe os aquelarres[2] e coventículos hispânicos, não era Satã mas o bode negro. A corrente Laveyiana passou a ser o construtor cultural da Igreja moribunda, sendo literalista quanto aos aspectos e factos históricos, ingenuamente ou por conveniência, do seu satanismo de base, aparece como verídico. Portanto, a introdução de Satã na Bruxaria Tradicional é muito recente na história da Bruxaria neopagã resultante de um melhor conhecimento da sabedoria gnóstica.

Em muitos casos, a figura satânica – o bode – seria incorporado voluntariamente nas assembleias satânicas para desagregar a Bruxaria dos cultos pagãos onde se conservavam puros e conformes aos seus cânones primigénios e anteriores ao cristianismo. A figura do bode não se encontrava presente em nenhuma das religiões; não se praticavam assembleias sabáticas ou aquelarres e apenas existiam os ritos vudus celebrados sob as segas pelos escravos negros (Barrachina, 2006).

Segundo Carlo Ginzburg, as coisas nem sempre se passaram assim. Nalguns casos, a diferença entre as perguntas dos juízes e as respostas dos acusados deixava entrever elementos ligados a cultura profunda. Partindo daí, Ginzburg procurou recompor as peças dispersas da história nocturna, abordando movimentos contra os leprosos, judeus, heréticos e feiticeiros. Isso levou-o a investigar a antiga cultura de fundo xamânico e a desembocar na identificação de formas da experiência de morte e do além com as estruturas narrativas.

«O diabo não passa de fantasma e símbolo do mal. O Judaísmo primitivo ignorou-o; por outro lado, o Jehovah tiránico e sanguinário dos judeus não tinham necessidade deste espantalho. A lenda da queda dos anjos encontra-se no “Livro de Enoque”, desde há muito reconhecido como apócrifo e escrito tardiamente. Durante o grande cativeiro na Babilónia, o judaísmo recebeu das religiões orientais o conceito das divindades pérfidas, mas esta ideia permaneceu popular, sem penetrar nos dogmas. E Lúcifer continua ainda a ser Estrela da manhã e Satã o anjo, filho de Deus.

Não se poder “negar o facto certas mulheres celeradas transformadas em sequazes de Satã (1 Tim. 5.15)”, seduzidas pelas fantásticas ilusões dos demónios, afirmam cavalgar de noite certos animais junto com Diana, Deusa dos pagãos e com grande quantidade de mulheres; percorrer grandes distâncias no silêncio da noite profunda; obedecer às prdens da Deusa como se esta fosse Sua Senhora; e serem chamadas a servi-la em determinadas noites (Ginzburg, 1989).

Mais tarde, se Cristo fala do Malvado e do demónio, é para acomodar às ideias populares do seu tempo; mas, para ele, o diabo não existia... No Cristianismo, o Jehovah (Iavé) vingativo dos judeus converte-se no Pai bondoso: desde então, as demais divindades são divindades do mal. No seu crescimento, o cristianismo entrou em contacto com o helenismo e recebeu dele a concepção de Plutão e das Fúrias, e sobretudo do Tártaro, acomodando-as a suas próprias ideias, assimilando confusamente todas as divindades do paganismo greco-romano e das diversas religiões com as quais se encontrou. Mas é na Idade Média quando nasceu verdadeiramente o diabo (René Guénon).

O satanismo é por si só aberração tão grande quanto toda a estrutura montada no seio do cristianismo durante 2.000 anos. Assim o satanismo torna-se erro de outro e a existência deste favorece a igreja católica e satélites porque torna-se a imagem “viva” de Satã na terra continuando a servir como objecto de terror psicológico, usando e abusando dos personagens, frustrados em relação à sociedade, família, geralmente de fraca personalidade ou sofredores de doenças mentais. Jung opina sobre «o enganador é a sombra coletiva, epítome de todas as impressões inferiores do carácter dos indivíduos». No entanto, este ponto de vista oferece desde nosso posterior estilo de pensamento «atado». Na esfera paleolítica, procede esta figura, arquétipo do herói. O dador de todos os grandes favores, o portador do fogo e o mestre da humanidade.

As tribos caçadoras de norte-americanas atribuem o mesmo facto xamânico da criação do mundo ao seu herói enganador paleolítico. No momento do grande dilúvio encontramos esta figura ambígua, boiando sobre a balsa cheia de animais, pedindo-lhes para mergulhar e subir à pouca terra. Três fazeram-no mas voltaram exaustos; então, o nadador extraordinariamente resistente desce – o mergulhão, a rata almiscarada ou tartaruga – e passou muito tempo (nalguns contos inclusive dias) volta à superfície com o ventre para acima, praticamente morta, mas com o pedacinho da sua pata. E então, Velho, Coiote, Corvo ou Grande Lebre – qualquer seja o personagem a representar ao enganador – pega -o pedacinho de barro e recita o encantamento colocando sobre a superfície da água. A partícula aumenta e em quatro dias cresce até atingir o tamanho da terra. Os animais vão à terra e tudo começa de novo[3].

O monoteísmo hebraico era reticente à ideia de divisão de poderes, Iavé era responsável pelo bem e pelo mal. Pelos sucessivos exílios e cativeiros sucessivos, os hebreus tomaram contacto com as religiões dos grandes impérios do Oriente estabeleceram a distinção nítida entre as forças positivas e negativas. Assim como desastres se abatiam regularmente sobre eles e Iavé, seu deus protector, não podia estar obrigado a ser responsável, concluiram a presença de maus espíritos. Se Iavé era então incapaz de gerar entidades maléficas, se o “demónio” existia, só podia ser anjo servidor rebelando-se contra a autoridade divina. É no segundo “Livro de Samuel” datado do século X ANE, o espírito de Iavé incita a desmembrar o seu povo e em seguida pune-os enviando a peste. Cinco séculos depois, as “Crónicas” (I-21) modificaram a antiga versão mostrando Satã o culpado e não Iavé investindo contra Israel[4]. Não era o anjo do mal completamente culpado mas agia de acordo com Iavé. Desta forma desviava-se da verdade Iavé = Satã para o substituir por outro, Satã era diferente de Iavé. Existe algum pacto, aliança tácita para não dizer similitude inquietante. Depois do cativeiro os hebreus tornam Satã a antítese de Iavé.

Quanto a Iavé, mesmo os luciferianos (pagãos) não o reconhecem como sendo o criador do mundo, pois nunca poderiam cultuar a sua intrasigência, tirania, imperfeição e ciúme, pois o direito de criação não lhe dá o direito da opressão. O episódio do Jardim do Éden é considerado pelos luciferianistas como ponto de partida da série de punições sobre a nossa espécie que a própria Bíblia reconhece. Iavé queria Adão e Eva, continuassem estúpidos. A Serpente libertou-os e franqueou ao jugo divino. A pedra colocada sobre o conhecimento reservado exclusivamente para a elite celeste. Então a nossa espécie evolui só por “desobediência” à ordem estabelecida. Refutam a Iavé o direito de adicionar à sua laia comandos e interdições. Negam-lhe também o direito de castigar os culpados. Portanto recusam a Iavé toda a autoridade sobre a existência sendo assim, não o vêem como bom espírito. Consideram Lúcifer a entidade máxima pois este ajudou a raça humana libertar-se é a Luz para a lbertação sendo a centelha divina em cada ser. Representa o Aéon Salvador acordando o espírito da humanidade, prisioneira da matéria. A igreja combate também a Gnose pela associação de Lúcifer a Cristo. Lúcifer é o nome da libertação o Deus verdadeiro, por algumas tradições é o Inominado. Na ibéria e nalgumas regiões da Europa continua a chamar-se Lúcifer o «Portador da Luz».



[1] Também pode ter sido uma corruptela de manobra que a Igreja adoptou do bogomilismo em que consideravam Satanel irmão de Cristo. Bogomilismo, criado em Bogomil (Bulgária) em 930 e significa «o amado de Deus» esta doutrina vai eclodir e influenciar o movimento Cátaro. O bogomilismo adopta certos elementos da tradição protestante local, torna-a mais embaraçosa a falta de unidade doutrinária.
[2] Sob a bruxaria em Espanha por exemplo a galega ou a do país Basco: a basca tem características que não possuem as bruxarias europeias, por exemplo, os aquelarres ou sabat levavam-se a cabo às segundas-feiras nocturnas e não às sextas-feiras, como era tradição no resto de Europa.
[3] Encontramos equivalentes nos mitos e lendas de todas as partes do mundo, em qualquer lugar onde o xamanismo deixou marca: Oceania e África, bem como na Sibéria e Europa. Na Polinésia, Maui é o enganador. O Coelho Br’er nos mostrou pouco da sua forma africana, onde também é Anansi, a Serpente. Entre os gregos era Hermes (Mercúrio) mudando de forma e o mestre do caminho à terra dos mortos, bem como Prometeo, o “ladrão” do fogo e o entrega à humanidade. No mito germânico aparece como o feitor Loki, cujo carácter era o fogo e quem, na época de Ragnarbic, o Crepúsculo dos Deuses, será o dirigente das hostes de Hel.
[4] Diz então: «Satã subleva-se contra Istrael e incita Davi a desmembrar o seu povo».






                


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